segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Lula desembarca com comitiva de empresarios na Bolivia de Morales

internacional@pstu.org.br Viagem a Bolívia foi marcada por pedido de paciência a Evo Morales e fechamento de bons negócios para Petrobras, Braskem e construtoras. Comitiva contou com 30 empresários, de olho na exploração do gás, na construção de estradas e pontes e nas termelétricas do Rio Madeira (RO) Nericilda Rocha e Joallan Cardim, de La Paz O presidente Lula esteve nos dias 16 e 17 de dezembro em La Paz. Havia estado em 2003, depois do processo revolucionário que derrubou Sanchez de Losada e exigiu a nacionalização do gás sem indenização. Na época veio pedir paciência e calma ao líder cocalero Evo Morales, dirigente do maior partido de esquerda, o MAS, para que a revolta das massas não tivesse maiores desdobramentos e fosse pactuada uma saída no campo eleitoral. Agora volta a pedir paciência a Evo Morales. O pedido mais uma vez ocorre em um momento de polarização das forças sociais no país, no qual o governo vive um dilema: de um lado, reivindicações dos movimentos sociais e o crescente repúdio à direita e, do outro, a pressão da burguesia oligárquica em seis regiões. Esta burguesia chamada de “media luna” havia sofrido um duro golpe com o levante popular de 2003 e uma derrota eleitoral em 2005 que resultou na vitória de Evo. No entanto estes setores voltaram a se fortalecer com a política de Evo e do MAS de buscar a todo momento acordos e pactos. Isto se rompeu quando Evo, pressionado pelos campesinos e povos originários, viu-se obrigado a levar a Constituinte até o fim e aprovar uma proposta de Nova Constituição que, todavia, ainda necessita ir a um referendo. A burguesia do país ameaça declarando autonomia ou maior poder econômico e político para os estados, o que também necessita ir a um referendo. Apesar de ser um desejo antigo desse setor, a pressão pela autonomia ocorre agora por dois motivos. Primeiro porque o governo cortou uma parte significativa do orçamento dos estados para 2008 relacionado com o Imposto Direto dos Hidrocarburos (IDH), com argumento de financiar projetos sociais como Juancinto Pinto (uma versão parecida ao bolsa família) e o Renda Dignidade (um bônus de 200 bolivianos ou 25 dólares ao mês para idosos acima de 60 anos). O segundo está relacionado com a posição do governo de aprovar a Nova Constituição e querer levá-la a referendo. A proposta de Nova Constituição, apesar de um fato inédito ao reconhecer os povos indígenas e seus direitos, mantém todas as garantias ao capital privado, às transnacionais e aos latifundiários e dá o direito de autonomia departamental exigida pela burguesia. Tanto é assim que a discordância de Evo à declaração autonômica é que deve ser feita dentro da lei, quer dizer, a oposição burguesa deve aceitar a nova constituição, que até o momento rechaça. Nesse contexto Lula desembarca pedindo paciência a Evo e prometendo “benefícios aos irmãos bolivianos”. Longe de estar tocado pelo espírito de “Papai Noel”, Lula trouxe em sua comitiva 30 empresários do setor privado entre eles o vice-presidente da Braskem e representantes de construtoras. Na verdade veio fechar bons negócios para a Petrobras, a Braskem, as construtoras Camargo Correa e Odebrecht e o setor de agroindústria. Lula chegou ao país por volta das 18 horas (horário local) e seguiu para a residência do embaixador Frederico Cezar de Araújo. Depois, foi para o Palácio Quemado, sede do governo boliviano. Em paralelo acontecia um encontro entre os empresarios que desembarcaram com Lula, recebidos por empresarios brasileiros que já estao instalados aqui na Bolívia, preparando grandes investimentos em setores como mineraçao, petróleo, energía e agroindústria. Neste encontro se discutia as perspectivas de garantias para investimentos no país. As empresas mais questionadas eram as que pretendem atuar com recursos naturais, tema dos mais polêmicos por aqui, estando presentes o grupo Votorantim Metais, e outras mineradoras com planos de grandes investimentos no país vizinho. O empresário Gustavo Granier Ferreira, coordenando um grupo de investimentos em mineração e tendo três empresas instaladas desde o início de 2006, adimite os atrazos gerados pela instabilidade política mas acredita em dias melhores: "..temos atrasos significativos para inicio dos projetos. Você me perguntar se existem riscos políticos? -eu diria que o céu está nublado, mas você precisa aterrissar, olhar daqui de baixo, pisar em solo firme e verificar que o terreno é fértil. Acreditamos em um acordo politico que trará a estabilidade necessária para o desenvolvimento de nossos negócios no país. Enquanto isto, estamos tomando posição porque conhecemos o potencial e as possibilidades". Porque a Petrobras voltou a investir no país Após a venda das refinarias, Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras, havia declarado que a empresa não faria mais investimentos na Bolívia. Mas, como bons representantes dos negócios da burguesia, Lula e Gabrielli anunciaram em sua viagem que agora a Petrobras investirá de US$ 750 milhões a US$ 1 bilhão. A que se deve a mudança? O Brasil segue dependendo do gás boliviano. Diariamente, a Bolívia envia 30 milhões de metros cúbicos pelo gasoduto Bolívia-Brasil e boa parte desse gás abastece São Paulo. Acontece que o Brasil necessita de mais gás agora e para os próximos anos e a Bolívia necessita ampliar sua produção já que aumentou os compromissos de exportação para a Argentina e agora ao Brasil. O recém-descoberto megacampo de Tupi, segundo especialistas, levará ao menos sete anos para começar a fornecer óleo ou gás, iniciar explorar, pois está a 7 mil metros de profundidade e em um terreno salino. Ao menos em um período curto, a saída mais rápida e barata para Lula e a Petrobras segue sendo saquear o gás boliviano. A lógica é investir para levar mais gás. Não há nada de negócios entre irmãos como anunciou Lula e muito menos de ter “sócio e não patrões” como respondeu Evo Morales. Tirando a retórica de integração entre os paises latino-americanos, o que fica são acordos que aprofundam a dependência da Bolívia às transnacionais, nesse caso a Petrobras. O acordo de início impôs à Bolívia enviar gás a Cuiabá para retomar o funcionamento da termoelétrica, então paralisada. Dos 750 a 1 bilhão de dólares que a empresa investirá até 2011, a prioridade, segundo Gabrielli, será aumentar a produção nos megacampos de San Alberto e San Antonio, operados pela Petrobras. Em seguida o campo Itaú operado pela Petrobras em parceria com a transnacional francesa Total. É compreensivo. O investimento é uma garantia de que o aumento da produção permitirá exportar mais gás ao Brasil. Depois acordaram a criação de uma empresa mista entre a Petrobrás e a YPFB, a empresa boliviana, para explorar campos já descobertos pela por esta nas cidades de Tarija, Santa Cruz e Chuquisaca e também para buscar novas descobertas. Da produção desses campos e dos possíveis novos, a Petrobrás poderá exportar tranquilamente, estando obrigada contratualmente a vender apenas 18% ao mercado interno. Também será criada uma empresa mista entre a maior petroquímica de América Latina, a brasileira Braskem, e a YPFB. A idéia é estudar a possibilidade de instalação de uma planta separadora de gases na região do Chaco para que a Bolívia consiga agregar valor ao gás que exporta. Do gás comprado da Bolívia, cerca de 10% são os chamados gases ricos, de melhor qualidade e com maior valor no mercado como o etanol, usado na petroquímica, e o propano e butano, para o GLP. A Petrobras, consciente de que Bolívia não tendo uma planta separadora não pode cobrar a parte por estes gases, nunca pagou por eles, mas os fatura. Tem lucro dobrado. O acordo incluiu que a partir de maio a empresa deverá pagar cerca de 100 milhões de dólares pelos gases nobres (metade do que valem, segundo especialistas) e iniciar estudos para que Braskem instale esta planta e passe a operar no país. Caso aconteça, tudo leva a crer que a reivindicada industrialização do gás a serviço dos bolivianos exigida nas jornadas de lutas de 2003 e 2005 será uma letra morta. Significará mais uma transnacional obtendo lucros sobre o gás boliviano. As empresas mistas têm sido o centro da política de hidrocarbonetos de Evo Morales não obtendo nenhuma resistencia da oposição burguesa. Ao contrário, esta pressiona por sua ampliação. O que comprova que, embora tenham alguns interesses diferentes, quando se trata de ir contra as reivindicações populares estão unidos. A reivindicação popular de nacionalização foi o que levou o governo a decretá-la, mas esta se resumiu a um aumento do imposto pago pelas transnacionais, recompra da refinaria e uma promessa de que as transnacionais seriam prestadoras de serviços à estatal boliviana YPFB. No entanto, com as empresas mistas (antes PDVSA, agora Petrobras e pode ser também qualquer empresa privada) a verdadeira prestadora de serviço é a YPFB, os beneficiados são as transnacionais e o prejuízo é ao povo boliviano que segue vendo sua principal riqueza ser levada. Isto é feito sob o discurso de Evo Morales de que “se está realizando uma profunda mudança, se está nacionalizando os hidrocarbonetos e fortalecendo a estatal YPFB”. As empresas mixtas têm outra importância para Evo ¬- à sombra delas ele leva ao povo o discurso de “queremos sócios e não patrões”. Acontece que mentira tem perna curta. Até quando Evo, com o apoio da burguesia e grandes empresas petroleiras, conseguirá convencer aos trabalhadores que Petrobrás e Braskem são sócias é uma incógnita. Agro-negócio, corredor inter-oceânico e um bom negócio para as construtoras Alguns meios de comunicação se adiantaram a caracterizar a presença de Lula, um dia após a declaração de autonomia da oposição de direita, que tem como principal base os empresários e agroexportadores da província de Santa Cruz, como um apoio político a Evo e uma retaliação ao setor de Santa Cruz. Nada mais falso. Lula trouxe também rentáveis negócios a este setor. Anunciado por Evo como um presente de Lula a Bolívia, os dois presidentes posaram para fotos em cinco tratores doados pelos governo brasileiro. A doação na verdade fazia parte da venda de 300 tratores fabricados no Brasil a agroexportadores bolivianos e do anúncio de uma linha de crédito de US$ 600 milhões do governo brasileiro a empresários bolivianos do setor de construção de estradas e pontes e grandes latifundiários. Parte desse crédito poderá ser usado pela construtora brasileira Queiroz Galvão para construir uma ponte fronteiriça. Bachelet, Lula e Evo Domingo, 16 de dezembro, a presidenta do Chile, presidentes do Brasil e Bolívia anunciaram o projeto de construir para 2009 um corredor interoceânico com 4.700 quilômetros, do Atlântico ao Pacífico. Seu custo seria de US$ 900 milhões e ligaria o porto de Santos (Brasil), passando por Santa Cruz, Cochabamba, Oruro e La Paz, até os portos de Arica e Iquipe, no Chile. Sóliz Rada, ex-ministro de hidrocarbonetos de Evo Morales, declarou que este corredor ajuda a resolver um gigantesco problema das transnacionais mineiras que atuam ao norte do Chile e sobrevivem de importar carvão da Indonésia, Canadá e Colômbia. Segundo ele, este corredor facilita a venda de gás ao Brasil e Chile, e que este seria seu grande papel. Ironia da história: em 2003 um dos elementos que impulsionou o processo revolucionário foi que Goni queria vender o gás boliviano aos EUA levando ao Chile. Rio Madeira Comenta-se que a visita de Lula também desobstruiu os empecilhos colocados pelo governo boliviano para a construção das hidrelétricas Jirau e Santo Antonio no rio Madeira, em Rondônia. Este projeto tem sido duramente criticado pelo Foro Boliviano sobre o Meio Ambiente e desenvolvimento, por comunidades campesinas do norte da Bolívia e pelo MAB (Movimento de Afetados por Represas e Barragens), do Brasil. Estes movimentos afirmam que a hidrelétrica irá afetar as comunidades amazônicas ribeirinhas e fronteiriças de Bolívia e causar impactos ambientais severos em território boliviano. As obras começaram em outubro de 2008 e a construtora Odebrecht, que em uma manobra impressionante ofereceu preço da obra 35% inferior ao que estava no edital, será a responsável pela construção da hidrelétrica. Mais uma vez as relações governo Lula e Odebrecht não cheiram nada bem. Mas o lamentável é que Evo Morales, sendo indígena, tenha entregue várias comunidades indígenas da Bolívia aos mais graves riscos ambientais. O leilão da usina de Jirau, no mesmo rio, está previsto para maio de 2008. Seja como for, o conteúdo desses acordos não deixa dúvida que o processo de venda dos recursos naturais de Bolívia segue e até se aprofunda. O paradoxo é que grande parcela dos camponeses e indígenas acredita que a nova Constituição proposta por Evo representa um freio a este processo de entrega dos recursos naturais. Isto demonstra a enorme importância de discutir com a classe trabalhadora desse país o conteúdo desta Constituição, os acordos energéticos e a política do governo.
A principal tarefa dos revolucionários na Bolívia é explicar pacientemente aos trabalhadores que o único caminho para derrotar a burguesia oligárquica e avançar no processo revolucionário é a continuidade das lutas e a independência de classe frente ao governo de conciliação de classe de Evo Morales. [ 24/12/2007 19:49:00 ]